Uma licencinha para um post de opinião...
Estava eu
assistindo um programa muito curioso chamado “Mundo sem mulheres” da GNT, um
reality show onde as esposas saem por uma semana e deixam a casa
e os filhos aos cuidados dos maridos. Eu só assisti alguns episódios e me
deparei com a triste realidade que a divisão coletiva dos trabalho doméstico é um imbricado de mecanismos multifatoriais de dominação.
Que
existe uma Divisão Sexual do Trabalho, todo mundo sabe, que o trabalho
doméstico profissional é uma forma de exploração patriarcal e capitalista está
bem claro, mas eu queria falar sobre as relações individuais e privadas, e
principalmente do caráter psicológico da dominação, que faz com que cada mulher
e homem, por mais consciente que seja, reproduza o patriarcado.
Mulheres
com consciência da sua exploração e homens solidários e com o mínimo de
“vergonha na cara”, tentam estabelecer uma relação mais igualitária da divisão
das tarefas domésticas. Atualmente é menos incomum os homens lavarem a louça,
darem banho nas crianças, levar na escola, ajudar com o dever de casa... tem
até casais que dividem de maneira totalmente igual as tarefas domésticas. Mas será que isso significa que estamos
avançando gradativamente em uma mudança cultural para a coletividade solidária
em relação ao trabalho doméstico? Será que isso é um processo natural de
evolução social?
No
reality percebemos muito claramente que independente de o homem fazer o tipo
machão, que não sabe fazer nada em casa, ou se faz o tipo avançado e “se vira
bem” no trabalho doméstico, a necessidade do trabalho doméstico é
flexibilizada, assim como as exigências em relação à sua realização.
No primeiro dia da saída das mulheres, eles se
reuniram para comemorar, comer churrasco e beber cerveja até tarde da noite...
As crianças estavam lá com eles, no mesmo espaço, só que sem nenhuma atenção,
as mais velhas cuidando das mais novas, dando o seu jeitinho para passar o
tempo... ok, eles são homens, então podem ser egoístas e ‘esquecer’ os filhos. No outro episódio a alimentação foi bem
flexibilizada, pizza e miojo se fizeram presentes, a rotina de limpeza da casa
foi esquecida, as exigências foram diminuídas e a galera começou a “fazer o que
dá”. Afinal, o que é possível para uma mulher não é o mesmo para um homem no
que se refere a trabalho doméstico... os homens não são capazes de viver sem
mulheres, porque não dão conta de multitarefas.
Mas
o principal tema do programa não era a capacidade de realizar as tarefas em si,
mas o envolvimento emocional com as atividades ligadas à família, o quanto
aquilo afetava a mente e fazia parte da preocupação dos homens e mulheres
envolvidos no programa... As mulheres, que estavam se divertindo num spa, tinham
uma preocupação verdadeira e real sobre se o trabalho doméstico estava sendo
feito de maneira adequada, isso ocupava as suas mentes, era objeto de estresse
mesmo de longe. Para os homens, o trabalho doméstico é algo secundário na sua
rotina, que é feito num intervalo entre coisas importantes e que não precisa
ter uma rigidez.
A
ligação emocional com o trabalho doméstico era constantemente associada à
maternidade, aos cuidados com a prole, e como boas mães se preocupam com os
filhos. ‘Naturalmente’, as mães tem uma ligação emocional maior com a família e
isso toma mais espaço em suas mentes.
Só que não.... (como diriam os
facebookianos)
A
divisão sexual do trabalho encontra-se internalizada de tal forma, que mesmo
uma ruptura de padrão consentida e aplaudida não produz libertação e igualdade.
A construção histórica de papéis sociais sobre os sexo ocorreu ao mesmo tempo
que outros processos, entre eles a cristalização e a reificação. Na
cristalização, os papéis são percebidos como fixos e como estáticos, na reificação,
estes mesmos papéis são percebidos como inatingíveis e transcendentais, como se
estivessem além da capacidade humana de intervenção ou de modificação (Berger
& Luckmann, 1966). A incrustação desses papéis na psique humana, longe de
ser explicada por determinismo biológico, foi construída num processo histórico
de naturalização, onde o estrito cumprimento do dever social era condição de
sobrevivência para as mulheres.
Nesse sentido,
o trabalho doméstico não é só uma tarefa de mulher por uma imposição do capitalismo,
mas é parte da consciência do ser mulher, ou melhor, do dever-ser mulher. São
poucas as que conseguiram se libertar plenamente do afazer doméstico como
obrigação física (sem explorar totalmente uma outra mulher), menos ainda são as que se
livraram do trabalho doméstico como condição de humanidade.
A questão fundamental da libertação das mulheres da divisão sexual do trabalho está não somente no tempo gasto na realização das tarefas, ou no esforço físico e no trabalho que elas exigem, mas principalmente no caráter de autorresponsabilização que ela representa na vida das mulheres. Muitas vezes conseguimos dividir completamente as tarefas domésticas, mas não conseguimos dividir a responsabilidade pelo trabalho doméstico, a participação masculina não consegue sair do âmbito da ajuda. Nesse ponto a tecnologia não é uma saída pro trabalho doméstico como forma de dominação, porque embora a tecnologia facilite o trabalho e estimule a divisão das tarefas, traga talvez mais tempo livre, não desrresponsabiliza as mulheres. Somente a responsabilização da coletividade pela reprodução da vida humana vai libertar as mulheres da opressão física e psicológica do patriarcado.
A maioria das mulheres não adora fazer trabalho doméstico, nem fazemos isso porque as mulheres pré-históricas varriam as cavernas, mas é inegável que o dever do trabalho doméstico está implantado na nossa mente, muitas vezes sem que a nossa consciência possa alcança-lo com facilidade. Acredito que esse seja o grande trunfo do patriarcado que precisamos combater.
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