Existem questões fisiológicas e cerebrais que determinam os
comportamentos diferentes entre homens e mulheres, como o fato de que eles
dirigem melhor e entendem matemática com facilidade e elas são ótimas na
comunicação e em relacionamentos interpessoais. Certo? Errado, muito errado.
Para a psicóloga inglesa Cordelia Fine, essa noção, que ocupa espaço nos
jornais e páginas de livros muito populares sobre comportamento humano, vem de
uma interpretação rasa de pesquisas, muitas vezes, malfeitas. Em seu terceiro e
mais recente livro, Delusions of Gender (Ilusões de Gênero, sem edição no
Brasil), a pesquisadora, que tem Ph.D. pela Universidade College London,
defende que a ciência é a grande culpada pela disseminação dessas noções
sexistas e desmitifica estudos importantes feitos nessa área. O sexo de quem
conduz cada estudo, segundo ela, pode determinar ou enviesar o resultado da
pesquisa. Cordelia, que já participou desse tipo de experimento, fala sobre o
papel sexista da ciência nesta entrevista exclusiva.
*Como a ciência ajudou a reforçar estereótipos a respeito de
homens e mulheres?
Cordelia Fine: No século 19, os médicos da Inglaterra
vitoriana pensavam que o cérebro menor e mais leve das mulheres explicava sua
suposta inferioridade intelectual. Atualmente, uma ideia muito difundida é que
o cérebro masculino é mais especializado que o feminino, e por isso os homens
tenderiam a usar um lado para processar a linguagem e o outro para lidar com as
informações espaciais. Em contraste, as mulheres usariam os dois lados para
tudo. Essa noção não tem apoio nas evidências, mas escritores populares se
apegam a isso para justificar preconceitos antigos, como o de que homens são
melhores em matemática e as mulheres têm mais habilidade para relacionamentos.
*Você tem outros exemplos claros dessa manipulação?
Fine: Uma pesquisa que eu cito em meu livro, feita por
psicólogos da Universidade de Cambridge, aponta que, quando um menino vê um
celular, ele se preocupa com o aparelho, enquanto a menina repara na foto da
tela. Acontece que sempre há a chance de o aparelho ser levemente movimentado
diante dos meninos para reforçar o resultado esperado. Em outro caso, um estudo
da Universidade de Londres com crianças desclassificou um brinquedo antes
caracterizado como “masculino” porque as garotas testadas o adoraram. Outro
estudo, desta vez nos Estados Unidos, apontou que as garotas passaram o dobro
do tempo entretidas com brinquedos supostamente de meninos do que com
femininos. Mas o dado foi omitido do resultado final. Posso garantir: nesse
tipo de pesquisa, dados que não confirmem a tese original do pesquisador são
ignorados.
*Centenas de estudos apontam essas diferenças. Estão
errados?
Fine: De fato, esse tipo de pesquisa pipoca o tempo todo,
mas todos têm sérios problemas de metodologia. Em primeiro lugar, costumam ser
realizados com amostragens quase insignificantes — o resumo que a imprensa usa
para escrever reportagens não costuma deixar isso claro, mas muitas são feitas
com algo entre quatro e oito pessoas. É muito pouco.
*Mas as diferenças entre os cérebros existem, não?
Fine: Sem dúvida. Na média, homens têm cérebros maiores e
contam com um pequeno grupo de células do hipotálamo ligeiramente maiores.
Identificar essas características é fácil e atraente porque pode ser traduzido
em imagens. Mas não estamos falando de um órgão estático. O cérebro se
desenvolve e se adapta de acordo com o ambiente em que a pessoa está. Os
circuitos de neurônios são, em grande parte, resultado do meio físico, social e
cultural no qual vivemos. O fato é que trata-se de um órgão tremendamente
complexo e ainda estamos muito longe de entendê-lo. Não sabemos qual o efeito
real de uma amídala um pouco maior ou um córtex frontal direito ser mais ativo
em homens, por exemplo.
*Se homens e mulheres vivessem em igualdade de tratamento,
as diferenças de comportamento entre eles desapareceriam?
Fine: Não conhecemos uma única sociedade que tenha
conseguido acabar totalmente com o sexismo, mas acredito que sim. Quer dizer,
haveria tantos homens quanto mulheres engenheiros, escritores, matemáticos,
bons motoristas, capazes de exercer a empatia, por exemplo. Por outro lado,
quando o ambiente evidencia as diferenças de gênero, elas se tornam ainda mais
fortes. É um efeito em cascata que garante que qualquer executiva americana de
sucesso da atualidade seria uma dona de casa na década de 40.
Um comentário:
Inclusive acho que a forca física também e determinada por fatores sociais/culturais. Crescemos sem poder carregar nossas cadeiras ou praticar esportes que fortaleçam nosso corpo para não sacrificar a estética que acha bonito corpos femininos frágeis. Claro, há exceções. Tão falando da regra.
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